Residência TERRA
Fundão

A Moagem - Cidade do Engenho e das Artes
1—14 maio 2023

Em 2023, a 4.ª edição da Terra Batida atribui bolsas de pesquisa a Alina Ruiz Folini, coreógrafe com amplo trabalho de pesquisa sonora e performance, e Teresa Castro, pesquisadora e escritora que se tem debruçado sobre as ligações entre cinema e animismo, ecocrítica e as formas de vida vegetais na cultura visual. Entre os dias 1 e 14 de maio, no Fundão e arredores, es artistas vão ao encontro dos contextos e agentes do território para pensar com e a partir dos seus desafios ambientais, nomeadamente o cultivo intensivo de eucaliptais e pinhais, o risco de mega incêndios, a preservação dos saberes associados a plantas nativas, os novos focos de prospeção de lítio no Barco e Alvarrões, e, ainda, as minas desativadas da Recheira ou em funcionamento, como a Panasqueira.

FUNDÃO, A SILICON VALLEY PORTUGUESA?

No primeiro dia, conversámos com a Câmara Municipal do Fundão, onde pensámos as alterações da paisagem humana da cidade com a vinda de diversas empresas de tecnologia para o Fundão, e as políticas de acolhimento migrante, nomeadamente, para as monoculturas intensivas de cereja e amêndoa. No segundo dia, conhecemos o projeto ARS, com trabalho continuado nas intersecções entre arte e ciência, e que desenvolve o projeto do Campus Mineiro do Cabeço do Pião, onde se pretende criar um monumento vivo que estude e conte as histórias de mortes provocadas por mais de 100 anos mineração na região. Também conversámos com o artista colombiano Pablo Quiroga Devia, em residência pelo Plano Nacional das Artes, sobre pássaros e plantas que acompanham os fogos sistémicos da Serra da Gardunha.

AS URGÊNCIAS DOS TEMPOS

No manhã do terceiro dia, fomos ao encontro das turmas de artes do 10º e 12º ano do Agrupamento de Escolas do Fundão, onde Teresa Castro introduziu o tema da planta mediada. O grupo de alunes, vindes das aldeias do entorno, trouxe a preocupação com os incêndios, a extinção de espécies e a falta de conhecimento generalizada sobre plantas.

Por fim, passamos a tarde numa caminhada-conversa com o Grupo de Preservação da Serra da Argemela (GPSA). Subimos até ao cabeço da Serra da Argemela onde continua ameaça à instalação de uma mina a céu aberto em pleno ambiente protegido e a menos de 500 metros da população do Barco e Coutada, onde perversamente se deseja explorar lítio, sob a bandeira da descarbonização. O desespero e a raiva o marcou esta caminhada pontuada por faixas de tecido negro que marcam o caminho até ao lugar onde se fizeram os primeiros estudos de prospeção. O GPSA aguarda o resultado do estudo de impacto ambiental em outubro deste ano. Conversámos sobre as diferenças de ritmo entre uma realidade urgente que precisa ser combatida, e o tempo mais ou menos longo de pesquisa e sensibilização que iniciativas como o Terra Batida fomentam. Que dificuldades ou alianças se geram nestes encontros?

CINEMA E BATATAS PARA PENSAR O FUTURO

No sábado, Alina partilhou a sua prática de leitura oracular com seres vegetais – desenvolvida com Ana Rita Teodoro no âmbito da Terra Batida 2020 – com um pequeno grupo de pessoas. Juntes, perguntámos sobre o futuro do Fundão a uma batata, o que inspirou a especular sobre migrações e raízes, estados de escassez e emergência, monocultura da cereja e possíveis novas tecnologias energéticas. 

De tarde, na Casa de Bombos de Lavacolhos, teve lugar a exibição do filme "Wolfram, a Saliva do Lobo" (Joana Torgal e Rodolfo Pimenta), junto ao Cineclube Gardunha. À sessão seguiu-se de um debate conduzido por Teresa Castro onde se invocou a desumanização de trabalhadores mineiros no contexto das Minas da Panasqueira e a responsabilidade histórica do cinema em histórias de contaminação. 

SOBRE NATIVIDADE

No domingo, a manhã iniciou com uma caminhada de 7km até ao Monte de São Brás. Guiades pelos Caminheiros da Gardunha, pensámos sobre a responsabilidade civil na proteção do território. Mais tarde, no Monte dos Carvalhos, Emma Cowan e Bárbara apresentaram-nos o projeto de permacultura e vida off grid que levam numa quinta de cerca de 2 hectares. Ali, elas desmontam paradigmas da monocultura e amam as plantas e flores da região.

PELOS CAMINHOS MINEIROS

Nos últimos dias da residência encontrámos João Leonardo, artista residente na aldeia do Ourondo, com quem fizemos um troço do antigo caminho mineiro para a Panasqueira e refletimos sobre as dificuldades colocadas a identidades LGBTIQIAP+ no território. Conhecemos o projeto cultivar2020, que se dedica a mapear Serviços dos Ecossistemas na Gardunha, e debatemos o léxico da biologia a respeito de plantas invasoras e autóctones.

Por fim, num dia magnético e mineral, a Terra Batida cruzou-se com À Escuta, que realiza pesquisas artísticas no Parque Natural da Serra da Estrela, para um dia na Lavaria do Cabeço do Pião guiada por Carlos Fernandes da ARS. Foi um dia em que todes sentimos nos corpos o impacto da atividade das Minas da Panasqueira, responsável pela contaminação e morte de milhares de trabalhadores desde o séc. XIX até aos dias de hoje, assim como pela lavagem de minério a céu aberto em direção à boca aberta do rio Zêzere, concentrando altíssimas doses de arsénico por todos os lados. Hoje, a antiga aldeia mineira do Cabeço do Pião está praticamente abandonada e localizada ao lado de uma enorme escombreira desativada, embora pouco ou nada sinalizada. Ainda assim, era como caminhar num gigantesco monumento da terra à violência extrativa. Era difícil respirar, devido às poeiras.

SILÊNCIO, PÓ E TRISTEZA

O último dia da residência Terra Batida levou-nos até à aldeia de Gonçalo, onde contámos com a companhia da Rafaela Aleixo da Greve Climática Estudantil. Rodeada pelas encostas ardidas da Serra da Estrela e varrida pelas poeiras das explorações de lítio a céu aberto, Gonçalo foi um encontro difícil com o sonho europeu da transição energética e realidade da “floresta” em Portugal. Algures no meio duma paisagem carbonizada cruzámos o símbolo deste projeto: uma esfera armilar aprisionando um mini-planeta pegmatítico. Ou seja, um cosmos reduzido ao seu potencial extrativo. 

 

Foi uma tarde dura. Quisemos ver o Carvalho Grande, árvore centenária conhecida de todos na aldeia. Mas o Carvalho Grande não resistiu aos incêndios do Verão passado. Ardeu. Provavelmente, transformou-se em “biomassa florestal residual” e foi sacrificado no altar do aproveitamento energético. Na estrada de Gonçalo para Valhelhas, pilhas e pilhas de troncos aguardam o transporte.     

 

Fizemos a viagem de regresso em silêncio, cobertes de pó e de tristeza. Algures à beira da estrada vimos uma floresta de postes metálicos albergando ninhos de cegonhas realojadas.

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